Na base do conhecimento está o erro

Poder e responsabilidade

Começo esta reflexão com uma pequena descrição dos vários significados que os termos poder e responsabilidade podem assumir. Poder, pode ser: 1. Possibilidade; faculdade. 2. Império; soberania; mando; autoridade. 3. Governo do país. 4. Força; vigor; energia. 5. Domínio; influência; faculdade de fazer. 6. Posse; dominação; senhorio; jurisdição. 7. Eficácia; efeito; virtude. 8. Meios; recursos. 9. Importância; valor; consideração. Por sua vez, Responsabilidade pode traduzir: 1. Qualidade do que é responsável. 2. Obrigação de responder por actos próprios ou alheios, ou por coisa confiada.

Tendo em consideração que o Estado é constituído por três elementos, território, povo e organização política, e que os seus fins são a justiça, a segurança e o bem-estar, como é que se relacionam estas características e os conceitos supra referidos entre os cidadãos e os seus representantes nos órgãos políticos da Nação?

Não é possível fazer uma abordagem ao tema sem ter em mente o princípio da separação dos poderes. Segundo este princípio, entre os poderes legislativo, executivo e judicial não existe a primazia de algum sobre os restantes. É, precisamente, o equilíbrio e o recíproco controlo inerente a esta trilogia de poderes que garante a autonomia e o bom funcionamento do sistema. Não é, por isso, de estranhar que cada um destes poderes tenha uma função específica e que seja a complementaridade do conjunto dessas funções que permita a elaboração dos direitos e deveres que assistem os nacionais de cada Estado, sendo, usualmente, os textos constitucionais a nomenclatura por excelência para o efeito.

De acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP), todos os cidadãos portugueses dispõem de direitos e deveres políticos, económicos, sociais e culturais. É, igualmente, segundo a CRP que sabemos quais os órgãos de soberania do Estado – Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais – e a função adstrita a cada órgão em consonância com o principio da separação de poderes.

Como tal, ao terem direitos, os cidadãos nacionais tem poderes e, ao terem deveres, responsabilidades. Então, como podem ser os cidadãos responsabilizados pelas suas acções e opções? Os cidadãos são civil e criminalmente responsáveis por toda e qualquer infracção que aconteça devido às suas acções.

Por sua vez, ao serem democraticamente eleitos, os representantes da população nos cargos públicos adquirem poder e responsabilidade acrescidas pois cabe-lhes decidir pelo todo da sociedade, em conformidade com a lei. No entanto, sendo titulares de cargos apenas são politicamente responsabilizados pelas suas actividades, apesar de serem estas que estabelecem o rumo do Estado e, consequentemente, dos seus cidadãos.

Não me espanta que um magistrado seja irresponsável pelas sentenças que profere porque não é o juiz quem faz a lei. Apenas a aplica. Mas, muito me pasma que um deputado tenha imunidade durante o desempenho das suas funções, i.e., enquanto elabora e decide as mesmas leis que determinam o comportamento dos seus concidadãos. Porque é que os cidadãos são civil e criminalmente responsáveis e os titulares dos órgãos de soberania somente o são politicamente?

Os ocupantes dos cargos públicos, eleitos ou nomeados, não devem dispor de qualquer tipo de prerrogativas que os inibam de responder pelas decisões e acções que tomam enquanto titulares desses cargos. Nem deve existir qualquer prazo de desuso sobre a responsabilidade pendente nos seus actos. As medidas que tomam, bem ou mal, tem influência na vida de, pelo menos, duas gerações.

Quando sabemos que podemos responder pelas decisões que tomamos, temos o cuidado de as tomar sem ligeireza. Decisões como o aeroporto da Ota, o TGV e outros projectos de idêntica grandeza, que mobilizam enormes recursos e condicionam as potencialidades do país, devem apenas ser tomadas se os decisores tiverem a consciência que a todo e qualquer tempo poderão ter que assumir as responsabilidades dos seus despachos.

É fácil desbaratar fundos quando esses fundos não são nossos. E é preciso lembrar aos titulares de cargos públicos que eles são responsáveis por coisas que lhes foram confiadas e não dadas.

29 de Março de 2007 – O Primeiro de Janeiro

10 responses

  1. Excelente texto, Vicente!

    Onde o equilíbrio é o ponto fundamental, entre o Poder e a Responsabilidade.

    Acredito que a corrupção seja a erva daninha que se apossou do poder, e acabou com a responsabilidade dos governantes.

    Quando isto acontece e o povo não faz nada, então já não é democracia. É a ditadura do poder dominante, sobre um povo que mal consegue pensar. A Mídia também tem sua parcela de responsabilidade, assim como aqueles que deveriam fiscalizar o uso das verbas, mas esses, ultimamente tem sido também corrompidos, quando não assassinados.

    Bem de qualquer forma seu texto me deu uma visão de que havendo equilíbrio, há esperança!

    Grata Vicente@

    Parabéns, pela beleza de análise.

    Forte abraço

    Mirse

    2009-09-07 at 17:34

  2. Também gostei do texto, só não estou de acordo com o fim.
    Em Portugal um dos grandes males é o governo não governar e governar é tomar decisões.
    Por não se tomarem decisões é que estão por fazer todas as grandes reformas do sistema e ninguém tem coragem para as fazer.
    TGV e Aeroporto são decisões cruciais para o desenvolvimento do país.
    A propósito, lembro-me do Alqueva em que foram necessários trinta, repito trinta anos para tomar a decisão de fazer.
    Acho que é demais.
    Nunca estaremos todos de acordo na decisão de uma qualquer obra.

    beijinho

    2009-09-07 at 18:04

  3. João Guilherme Barbedo marques

    Os cidadãos, pelas suas opções políticas, não são responsáveis. São-no pelas suas acções civis. Tal como os políticos que são responsáveis pelas suas acções, embora debaixo de um condicionalismo que me parece reprovável e são responsabilizados politicamente pelos actos políticos que cometerem, embora esta responsabilidade se limite à demissão ou a não voltar a serem eleitos. Se o acto político foi realizado visando também o próprio locupletamento ou a corrupção, então pode ser o politico ser responsabilizado civil e criminalmente.
    A meu ver, o mal não está neste ponto. Sinceramente acredito que os políticos que procuram enriquecer-se enquanto estão no poder são relativamente poucos, embora sejam muitos os que procuram ser ricos depois de deixarem o poder, o que é extremamente grave porque tiveram de preparar o caminho para a riqueza enquanto ususfruiram do poder.
    Para mim, o mal está no facto dos ministros serem mal assessorados, no medo dos ministros em tomarem decisões, no facto dos ministros se considerarem infalíveis e, por isso, tomada uma decisão jamais a alteram, no facto dos ministros normalmente terem uma visão muito estreita dos problams do Estado, no facto de prevalecerem os interesses partidários aos interesses nacionais

    2009-09-08 at 0:59

  4. António Feijó

    Muito bom. Não é de admirar, habituado que estive em ouvi-lo sobre estes e outros assuntos durante o CDN.
    Um grande e amigo abraço
    A. Feijó

    2009-09-08 at 4:34

  5. Paulo Branco

    Concordo inteiramente.

    Basta de haver pessoas que são mais iguais do que os restantes cidadãos.

    Paulo

    2009-09-11 at 11:17

  6. Jorge

    Eis uma temática que nenhum partido aborda nos seus programas eleitorais.
    Nem os que recentemente foram criados.

    2009-09-11 at 23:46

  7. joão Guilherme Barbedo Marques

    Vicente

    Tens muita razão. Mas o facto de tu e todos nós termos muita razão, não altera a realidade.
    Os politicos devem ser responsáveis civil e criminalmente pelas suas decisões. Mas não qualquer decisão, porque toda a decisão é passivel de ser contestada. Seriam as decisões importantes, que envolvesse grande porte de dinheiro, qua alterassem significativamente a vida do pàis ou de uma região, cujas consequências se espraiassem por largo período.
    Essas questões, antes de serem decididas pelo poder executivo ou legislativo, seriam sujeitas a um exame por peritos com capacidade notória para a matéria cujo parecer não era obrigatóriamente seguido (de contrário eles se tornariam o verdadeiro governo) e, em casos mais especiais, até sujeito a consulta popular sem voto decisório. De posse destes elementos, o governo resolveria e se o resultado fosse negativo teriam de explicar ao paí o motivo da sua decisão e serem responsabilizados civil e criminalmente e não apenas politicamente.
    No caso de haver verdadeiras dúvidas sobre a honestidade dos políticos, depois de exaustivamente se terem estudado essas dúvidas, o politico teria responder criminalmente.
    Não podemos admitir o sistema actual.
    O País está com uma carga que não sabemos se a poderá transportar. A culpa cabe por inteiro aos governos anteriores, especialmente à gestão socialista.
    O que aconteceu aos responsáveis? O Guterres tem um lugar de ouro na ONU. O Sampaio, idem aspas. O Socrates está tão bem que se dá ao luxo de ir para Paris tirar um curso (Será o Reitor seu amigo pessoal?, porque “cesteiro que faz um cesto faz um cento”)
    Quem é que foi “criminalmente” condenado? O povo que não tendo tomado qualquer decisão, paga a factura. A culpa não é sua, mas fica condenado, porque a lei não permite condenar o responsável

    2011-08-20 at 23:41

  8. Excelente análise!

    Concordo plenamente.

    Tudo mudava se responsáveis de cargos públicos fossem responsabilisados….

    2011-08-21 at 21:51

  9. Pingback: Hobbes, a inversão da ética aristotélica, e a fundamentação dos totalitarismos (2) « perspectivas

  10. Excelente texto Vicente!

    2012-09-09 at 23:12

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