Qual é o preço da segurança?
Numa altura em que a segurança está na ordem do dia e anda nas bocas do mundo não é, de todo, inoportuno reflectir sobre as implicações que tal circunstância tem na nossa vida. Qual é o seu preço? Ou dito por outras palavras, quanto nos custa?
A procura de um ambiente seguro é um impulso instintivo. É algo que todas as espécies fazem. É algo que é realizado desde que o homem é homem. Não somente para a protecção contra os agressores mas também como meio para a facilitação da organização da vida em sociedade.
Ora, umbilicalmente ligado à segurança está a liberdade. E, apesar de várias perspectivas caberem dentro desta pequena análise, é precisamente na relação verificada entre a segurança e a liberdade que pretendemos focalizar a nossa atenção.
Acontecimentos experimentados ao longo da história moldaram a esfera de influência e de actuação destes dois factores. Não apenas no que respeita à sua preponderância como igualmente à sua relativização consoante as conjunturas vividas. Isto não é razão para espanto. É indiscutível que para haver confiança entre as partes (quer estas sejam homens, empresas ou Estados) na sua génese está a amplitude de liberdade e o grau de segurança que ambas as partes usufruem.
Serão estas afirmações erradas? Talvez? Mas será que a liberdade e a segurança que fruímos são iguais em tempo de guerra e de paz? Na minha opinião, não. E é exactamente esta a percepção que os governos têm.
No que se refere à história da humanidade, num passado recente, há dois eventos que são ilustrativos para as palavras acima escritas, eventos que provocaram paradigmas de comportamento e actuação e que soçobraram com o decorrer dos tempos: as duas guerras mundiais e o colapso da «cortina de ferro». Já nos dias de hoje, é evidente que o alcance da influência da segurança e liberdade está delimitado pelos factos ocorridos em Nova York, a 11 de Setembro de 2001.
Só estas asserções já são suficientes para conferir outra dimensão à importância da relação entre a segurança e a liberdade no relacionamento entres os povos. Referimo-nos ao contacto entre civilizações.
Nos tempos actuais, foram os norte-americanos quem nos ofereceram a dádiva da democracia. Foi na revolução americana que os ideais e princípios da antiguidade grega foram recuperados. Assim, não é desapropriado declarar que os direitos e liberdades, políticas e civis, que hoje gozamos têm aí a sua origem.
No entanto, com o choque dos atentados às torres gémeas, a reacção dos órgãos governativos estado-unidenses (executivo e legislativo) foi hipotecar a liberdade em prol da segurança. O exemplo paradigmático desta atestação é a aprovação, 45 dias após os atentados, do “Patriot Act”.
Não pretendemos questionar tais decisões. Em verdade, se tivéssemos responsabilidades similares, não temos qualquer dúvida que a defesa da Nação, a integridade territorial e a segurança da população estariam no primeiro plano das nossas preocupações. Felizmente, não temos esse tipo de imputações.
Como tal, apenas perguntamos: São a segurança e a liberdade ainda ideais? E, nesse sentido, recordamos, entre outros, BENJAMIN FRANKLIN – “Aqueles que estão dispostos a prescindir de liberdade em favor de segurança temporária, não merecem nem uma nem a outra”; e LORD ACTON – “O melhor teste para avaliar até que ponto um Estado é realmente livre é pelo nível de segurança usufruído pelas suas minorias”.
O avanço do nível de cidadania e civilização implica custos Até que ponto estamos dispostos a tolerar esses preços é o que fica em aberto.
22 de Novembro de 2007 – O Primeiro de Janeiro
Citações e os tempos
Passados seis anos dos atentados de 11 de Setembro de 2001, o mundo mudou. Os tempos são outros. Será que pensamentos expressos outrora são capazes de reflectir os dias de hoje?
Por exemplo, a problemática gerada à volta do acontecimento supra mencionado levou, um pouco por todo o mundo, mas com especial ênfase nos Estados Unidos da América, ao implementar de variadas medidas que, ao reforçar a segurança, restringiram as liberdades cívicas dos seus cidadãos.
Em comentários elaborados sobre conjunturas análogas, experimentadas em distintos períodos da história, foram, entre outras, expressas as seguintes afirmações:
• “Aqueles que prescindem de liberdade por segurança temporária, não merecem nem liberdade nem segurança” BENJAMIN FRANKLIN;
• “Mas, quando a Constituição de um governo se desvia da liberdade, esta nunca será reposta. A liberdade, uma vez perdida, é-o para sempre” JOHN ADAMS;
• “Eu não defendo mudanças frequentes nas leis e nas Constituições, mas as leis e as instituições devem andar de mão dada com o progresso da mente humana. À medida que este se desenvolve, se torna mais esclarecido, que novas descobertas e verdades são feitas e que os comportamentos e opiniões mudam, com a transformação das circunstâncias, as instituições devem evoluir para acompanharem os tempos.” THOMAS JEFFERSON.
Por sua vez, ainda dentro deste tema, realçando uma perspectiva diferente, talvez devido ao correr do tempo, WOODROW WILSON disse: “A liberdade nunca nasceu do governo. A história da liberdade é uma história de resistência. A história da liberdade é uma história de limitações ao poder governamental, e não do seu aumento”.
Sabendo quem foram os perpetuadores dos atentados às torres gémeas e os motivos por eles sustentados como justificação para esses actos, não deixa de ser irónico que, segundo LORD ACTON, “a maneira mais fidedigna de se ajuizar o grau de liberdade de um país seja a amplitude de segurança gozada pelas suas minorias”.
E que outras consequências emergiram do já referido momento?
Das opções tomadas, resultou a guerra contra o terrorismo. Ora, os tempos de guerra não são períodos normais. E, de acordo com JIMMY CARTER, “às vezes, a guerra pode ser um mal necessário. Mas, apesar da sua urgência, será sempre um mal e nunca um bem. Não é pela matança dos nossos filhos que nós aprenderemos a viver juntos em paz”. Contudo, uma vez tomada a decisão, devemos apoia-la até ao fim. Mesmo quando não concordamos com ela. Mesmo quando más decisões estratégicas são postas em pratica.
Ter iniciado as operações no Iraque sem ter consolidado a situação no Afeganistão, poderá representar um preço muito alto. Como consequência, temos duas frentes de guerra e estamos em maus lençóis em ambas. Já não se trata apenas de retirar do Iraque. Possivelmente, também estamos perante o primeiro desaire da NATO. Assim, no limite, o seu custo será tanto a segurança como a liberdade. Consequentemente, será necessário cerrar ainda mais as fileiras.
E até à reposição da normalidade, as palavras de ADAMS, CARTER, FRANKLIN, JEFFERSON e WILSON permanecerão a ecoar nas nossas mentes.
Ler ou, para alguns, reler pensamentos anteriormente expressos e tentar adequa-los aos tempos experimentados não deixa de ser um exercício engraçado. Foi precisamente essa a intenção desta reflexão. No entanto, é pertinente equacionarmos se os autores referenciados fariam as mesmas afirmações nas circunstâncias de hoje.
Independentemente dessa possibilidade, o dilema – se assim for encarado – é que se não estamos dispostos a prescindir da liberdade por segurança, então é bom estarmos prontos a lutar, e morrer, por essa liberdade. Como muito bem disse JOHN QUINCY ADAMS: “o dever é nosso, o resultado é de Deus”.
Por incrível que pareça, consciente ou inconscientemente, a escolha será sempre efectuada. Talvez até já esteja pré seleccionada! Afinal, todos (?), possuímos o instinto da sobrevivência.
Os tempos são de escolhas. E as escolhas fazem as citações dos tempos.
13 de Setembro de 2007
Terá o Jogo ainda regras?
Com a aprovação, por parte do Congresso Norte-Americano, da mais recente legislação antiterrorista, entrámos na Idade das Trevas Modernas. O Cavaleiro verde do apocalipse galopa em direcção ao Direito Internacional, isto é, perece, rapidamente, a distinção entre civilizados e bárbaros.
A natureza possui mecanismos de auto-regulação para as relações de desigualdade verificadas entre as espécies que nela coexistem. Entre a espécie humana, a opção pela criação e uso do Direito Internacional é uma analogia desses mecanismos e foram os Ocidentais quem, no seguimento da sua evolução cultural, o contextualizaram e objectivaram. Como tal, segundo a nossa própria perspectiva, era precisamente o Direito Internacional que nos distinguia dos outros povos, ou seja, a invenção de regras de conduta é que nos atribuía a classificação de civilizados.
Inerente à elaboração destas regras está o Princípio da Separação de Poderes. Este, sendo um vector angular da estrutura funcional do Estado de Direito Ocidental, permite a devida utilização e garante a independência de cada poder – legislativo, executivo e judicial – ao mesmo tempo que impede a primazia de qualquer um deles face aos outros. Se é evidente que o Principio da Separação de Poderes começou por ter aplicação interna, também é indiscutível que o mesmo princípio é empregue na formação do Direito Internacional.
Sendo, desde a sua génese, um produto do mundo ocidental, se é – ou era – inequívoca a necessidade da normativização das relações externas, também é indisfarçável que o desrespeito pela regulamentação internacional foi iniciado pelos seus próprios criadores e impulsionadores. Infelizmente, o exemplo do atropelo ao Direito Internacional partiu de nós.
Esta situação não é nova! Convém relembrar que já Napoleão dizia: “Il faut opérer en partisan partout oú il y a partisans”. Não é, pois, dos nossos dias, o esquecimento do Direito Internacional quando tal é necessário ou conveniente aos nossos objectivos.
Com as experiências traumáticas das duas Guerras Mundiais, particularmente, da Segunda, foi de acordo com o modelo ocidental do Direito Internacional que foram criadas as Nações Unidas. Infelizmente, o aparecimento de novas nações e a Guerra-Fria voltou a subjugar o idealismo das convenções internacionais baseadas no interesse da humanidade ao realismo da força baseada no interesse nacional. Ou seja, tal como a República de Weimar, também o idealismo das Nações Unidas estava condenado ao fracasso.
Com o fim da divisão bipolar do mundo, as tendências realistas que caracterizaram a acção dos Estados Ocidentais, em particular dos EUA, acentuaram-se e, ao darem prioridade aos seus interesses nacionais, automaticamente desvalorizaram os acordos internacionais. O uso da força suplantou as negociações diplomáticas. E assim, os interesses das grandes potências esmagam as convenções que estas assinam com os pequenos Estados. As regras deixam de estar definidas e vagam ao sabor dos interesses nacionais. Infelizmente, o mesmo acontece aos valores, em particular os morais, porque não há regras sem valores.
Se esta situação não é nova, então qual a novidade que dela decorre? Em primeiro lugar, se alguma esperança poderia haver, no que respeita a terminar com as vozes que defendem o combate ao barbarismo com barbarismo, essa expectativa esfumou-se com a nova lei antiterrorista aprovada pelos órgãos políticos do EUA. Em segundo lugar, ao ser o poder executivo, quem determina se houve ou não utilização de métodos coercivos para a formação da prova de culpa e se se verificaram ou não “violações graves” dos acordos internacionais, este passa a ser juiz em causa própria, isto é, em relação aos poderes legislativo e judicial torna-se primus inter pares. Em terceiro lugar, com esta legislação, todos os princípios inerentes ao Estado de Direito e à razão de ser da Separação de Poderes desaparecem. E por ela, também nós, ocidentais, passamos a ser bárbaros.
Ao fim e ao cabo, o Jogo ainda tem regras. Que ninguém cumpre!
20 de Janeiro de 2007 – O Primeiro de Janeiro
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