Raríssimas? Não. Em Portugal, estas situações são normalíssimas
O ministro Vieira da Silva garante que não tinha conhecimento de nada. A palavra de um ministro deve ser respeitada. Todavia, o benefício da dúvida não impede que se reflicta sobre a mesma. Vieira da Silva pode estar a dizer a verdade. Contudo, não deixa de ser muito estranho. Não apenas porque ele é o ministro da tutela, mas também, e principalmente, devido às suas ligações com esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e o seu posicionamento relativamente às obrigações legais das IPSS, nomeadamente no que respeita à divulgação pública das contas referentes à gestão deste tipo de entidades. Ora vejamos.
Primeiro, Vieira da Silva garantiu ter tomado conhecimento do que se estava a passar na IPSS Raríssimas apenas “há poucos dias” e que nem ele nem a sua equipa estavam conscientes desta realidade, que classificou como “gestão danosa”. No entanto, o próprio Vieira da Silva também reconheceu que uma das principais entidades que tutela, o Instituto da Segurança Social (ISS), recebeu denúncias sobre a gestão da Raríssimas e que, em virtude destas queixas, esta IPSS estava sob investigação desde Julho do ano passado.
Parece-me que existem aqui alguns elementos contraditórios. A hipótese de Vieira da Silva não ter sido informado das acções do ISS é rebuscada? Não. Efectivamente, o ministro da Tutela pode não ter tido conhecimento que o ISS estava a investigar a gestão da Raríssimas. A questão que se põe é: porque motivo não foi informado? E não tendo tal acontecido, será mesmo verdade que nenhum elemento da sua equipa também não foi? Penso que alegar desconhecimento é inverosímil. Caso contrário, temos que considerar que o ministro Vieira da Silva não está disponível para (alguns) problemas ou que, no limite, os elementos da sua equipa são incapazes e incompetentes.
Segundo, o facto de Vieira da Silva ter sido vice-presidente da Assembleia-Geral da Raríssimas (2013-2015) não significa, necessariamente, que tenha tido conhecimento das práticas de gestão desta IPSS. Qualquer Assembleia-Geral é um órgão social não-executivo. Contudo, também aqui se nota algo incomum. Pode um político dar-se ao luxo do desconhecimento? Não. Não só não pode como também não deve. Como tal, perante a impossibilidade dum desconhecimento absoluto, existem limites que qualquer político – e, já agora, qualquer cidadão – deve observar. Assim sendo, tratar-se-á, por acaso, duma mera questão de confiança pessoal e/ou política? É evidente que não. Pelas razões já adiantadas.
O que fica por explicar?
Esta decisão é incoerente com o princípio da transparência e alimenta a suspeita. Lamento mas, apesar de toda a boa vontade, não consigo deixar de me perguntar se existiu, ou se existe, alguma relação entre as circunstâncias da gestão da Raríssimas e o nível ou grau de conhecimento que a tutela tinha? Qual é a razão para a ocultação, perdão, a confidencialidade de contas que deveriam ser públicas por força da lei?
Paralelamente a esta dúvida, também me pergunto quem estaria (ou estará) a ser protegido por esta decisão e até que ponto este tipo de situações e de influências, envolvendo membros do governo e do Parlamento, são comuns?
O que sei é que, tendo em conta que a decisão do ministro de não divulgar as contas é do ano passado, estamos perante uma prática continuada.
E igualmente incessante é a impunidade!
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