Costa quer o Governo. BE e PCP querem o PS. E o país?
Inquestionavelmente, as legislativas de 4 de outubro passado permitem várias leituras. Apesar de ter havido vencedores e perdedores, a leitura que parece ser mais comum é que ninguém perdeu. Nem sequer António Costa ou o PCP!
O apuramento dos resultados, particularmente ao nível da conversão de mandatos, e o comportamento de alguns intérpretes políticos face aos mesmos, só servem para reiterar esta realidade. Todos ganharam. Mesmo os que perderam. Ora vejamos. A coligação foi a vencedora. Mesmo tendo conseguido obter apenas uma maioria relativa, ganhou as eleições. António Costa não perdeu porque no Parlamento existe uma maioria de esquerda. O BE, que aumentou consideravelmente o número de votos e que ultrapassou o PCP como terceira bancada parlamentar, também ganhou. O PCP, que desceu na hierarquia representativa do Parlamento, não perdeu e finalmente, o PAN elegeu um deputado, facto que o faz num dos efectivos vencedores da noite.
Todavia, a realidade demonstra que existiram perdedores. António Costa, e por ele o PS, assim como o PCP são os principais derrotados da noite. Há outros, como o LIVRE ou o PCTP-MRPP, mas cingir-me-ei aos partidos com representação parlamentar.
Dentro dos vencedores, podemos dizer que temos os que ganharam as eleições, a coligação, os que ganharam representação, o PAN, e os que obtiveram uma vitória de Pirro, o BE. Sim, a votação do BE é uma vitória de Pirro. Não é uma votação consolidada. Se a coligação tivesse concorrido separada, o BE, mesmo com o mesmo número de votos, não alcançaria o número de deputados que obteve. Para além disso, se, efectivamente, o BE foi capaz de atrair votos do eleitorado social-democrata, tal não significa que o BE seja capaz de manter estes votantes nas próximas eleições legislativas, independentemente de serem antecipadas ou não. O resultado eleitoral do BE resulta mais duma conjugação de circunstâncias do que mérito da sua direcção. E o principal estratega do BE, Francisco Louçã, tem perfeita noção disto. Quais são, então, as preocupações do BE? Colmatar estas fragilidades. E como o podem fazer? Apoiando um governo de esquerda sem fazer parte dele. Só deste modo o BE consegue reduzir a perda dos votos que foi buscar ao PSD. E fá-lo-á atraindo os socialistas mais à esquerda.
Ora, o tema da maioria de esquerda começou a ser referido logo após as projecções avançadas pelas televisões. Na face dos representantes do PS era visível o desânimo. Perderam uma oportunidade de ouro. António Costa não foi capaz de vencer o executivo que lidou com os maiores constrangimentos económicos e financeiros da Terceira República. No entanto, algo que inicialmente foi apenas uma maneira de atenuar a derrota, cedo passou a ser o argumento da sobrevivência política de António Costa. Daí que Costa não se tenha demitido, contrariamente ao que exigiu a quem foi capaz de vencer uma eleições para o PS, António José Seguro. Contudo, António Costa passou a ser um refém. Considero que Costa está praticamente politicamente morto. Ainda não está para além da redenção, mas pouco falta. Não sei se sobreviverá. Sei que, com ele, o PS está fragmentado. Ao seu lado estão, temporariamente, os sedentos do poder. Mas até estes, assim que se aperceberem que Costa deixou de ser apenas um refém das suas próprias ambições, ou se preferirem, ilusões, e que passou a estar integralmente refém das crescentes exigências do BE e do PCP para se manter no poder, se afastarão de Costa.
O PS sobrevirá a Costa. Mas a que preço? António Costa pode dizer que existe um acordo de governação à esquerda, mas, uma vez que não controla (todos) os deputados socialistas (pese embora uma afirmação pública de desafio a sua liderança dependa duma alternativa interna credível e assertiva), ainda não tem a garantia de um chumbo de um programa de governo da coligação nem da aprovação de um programa de governo à esquerda. Contudo, tal acordo é uma possibilidade. Todavia, o PS ficará dependente das exigências da esquerda radical. Que efeitos terão? Para além dos exemplos do passado, os portugueses não gostam de mau perder, pelo que os socialistas sabem que poderão vir a ser penalizados em futuros sufrágios. Liderados por António Costa, essa possibilidade é ainda mais real. E as alternativas à liderança do PS tem que começar a recuperar o partido já. Para o fazerem, necessitam de seguir os procedimentos internos e estes são simultaneamente incompatíveis com o chumbo de um programa de governo da coligação ou com a aprovação de um programa de governo à esquerda, obviamente, mais com aquela do que com esta. Seja como for, nas próximas eleições, a possibilidade de o PS perder eleitorado para o BE é muito alta. Há que começar a estancar essa hemorragia imediatamente e igualmente de reabilitar a imagem do PS na opinião pública. Decididamente, o derrotado António Costa não é o homem indicado para o efeito. No entanto, como o poder é inebriante… tudo é possível e o que acabei de descrever é um cenário racional demais para quem gere um partido em dificuldades financeiras.
É legitimo que António Costa queira governar, que o BE queira o eleitorado do PS e que o PCP queira o controle dos sindicatos dos transportes. E o país?
Alea jacta est
2015-10-22 at 14:45