Demagogia(s)
As manifestações sociais e as circunstâncias económicas mundiais que actualmente vivenciamos levam-me, mais uma vez, a referir a problemática do Estado, i.e., a sua sustentação e estruturação.
O Estado moderno, tal como o conhecemos, resulta de um longo processo que, temporalmente, abrange aproximadamente um pouco mais que três séculos. Quando analisamos este processo segundo uma perspectiva histórica, percebemos que é comummente aceite que a formação do Estado passou por quatro etapas, sendo que actualmente estamos numa fase de transição para mais uma etapa. Mas vamos, sucintamente, ver o caminho percorrido.
No que respeita à primeira etapa, bastará dizer que o Estado moderno aparece como uma forma de reacção ao poder do papado. No entanto, é de referir que é nesta altura que são enumerados os seus fins e elementos; a segunda etapa é o Estado Liberal, resultado das revoluções, americana e francesa, onde aparece a separação de poderes e os Direitos do Homem e cidadão; a terceira etapa resulta da inadequação do Estado Liberal em responder às crises sociais, originando o surgimento das ideologias fascista e comunista; a quarta etapa deriva da crise de 1929 e caracteriza-se pelo Estado Democrático Liberal, e pela aplicação de iniciativas de cariz social advogadas por JOHN MAYNARD KEYNES, simbolizadas pelo New Deal, do Presidente norte-americano FRANKLIN DELANO ROOSEVELT. De notar que, para que estas medidas resultassem, foi necessário alargar a democracia a toda a sociedade; a tal fase de transição assinala, no espaço da civilização ocidental resultante da Guerra fria, o Estado-providência (que não deixa de ter uma ligação directa à crise dos finais dos anos vinte do século passado), cujo modelo dá sinais de falência social.
Ao lermos a descrição acima elaborada, não é de todo descabido afirmar que, ao longo deste tempo, o Estado Liberal foi passando por momentos de crescimento económico a que se sucedem alturas de crise social. A cada crise que se sucede, novas medidas são implementadas para atenuar a contestação social e para permitir novo ciclo de crescimento económico.
À medida que estes eventos se sucederam, diferentes agentes sociais apareceram para adequar a intervenção e participação popular na “vida” do Estado. Os partidos políticos, os sindicatos, as associações cívicas e as Organizações não-governamentais são exemplo desta afirmação, representando, por si e pelas suas distintas formas de organização, uma adaptação aos tempos que decorreram. E nos dias de hoje, uma existência virtual também é possível. E é o Estado que a rege?
No meio destas mudanças, o que é que não se adaptou? O próprio Estado. A sua estrutura é basicamente a mesma e a sua forma organizativa enferma dos mesmos problemas que levaram à queda do Antigo Regime, com a diferença que hoje é a burguesia, ou melhor, a classe política, quem detêm a maioria dos privilégios.
Algo terá que mudar. Sugiro o seguinte: Porque não a possibilidade de recurso jurídico, por parte dos cidadãos, quando e se os programas eleitorais que os partidos políticos apresentarem ao sufrágio eleitoral não forem cumpridos? Assim, os programas eleitorais podiam efectivamente ser autênticos contratos sociais.
Equidade, responsabilidade e afins, são jargões usualmente utilizados pelos políticos sem qualquer valor, pois tem a consciência que os mesmos não se verificam na realidade. O mesmo se pode afirmar do conceito que possuem de democracia. Ora, democracia sem a possibilidade de responsabilizar, não apenas politicamente mas também civil e criminalmente, os titulares dos cargos públicos não é democracia. É demagogia. É algo parecido com o estatuto que dispunha a nobreza do Antigo Regime.
Acima descrevi as tendências cíclicas no processo de formação do Estado moderno. É bom lembrar que as mesmas foram caracterizadas por manifestações sociais, umas bastantes mais violentas do que as outras. Como a espécie humana tem uma inclinação para a repetição …
E, por fim, relembro as palavras de alguém muito mais sábio do que eu, THOMAS JEFFERSON: “I believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing armies. If the American people ever allow private banks to control the issue of their currency, first by inflation, then by deflation, the banks and corporations that will grow up around [the banks] will deprive the people of all property until their children wake-up homeless on the continent their fathers conquered. The issuing power should be taken from the banks and restored to the people, to whom it properly belongs.”
É curiosa esta afirmação. Imagino quem a classificará como demagógica.
29 de Maio de 2008
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